Nos últimos anos, o ambiente de negócios vem passando por uma transformação profunda. Se antes a formalização de propostas comerciais e contratos dependia de documentos físicos, reuniões presenciais e assinaturas manuscritas, hoje o cenário é completamente diferente. Empresas de todos os portes, especialmente aquelas com operações em larga escala, já se habituaram a negociar por e-mail, aplicativos de mensagens como WhatsApp, plataformas de compras digitais e softwares de gestão contratual. Mas, apesar da prática consolidada, ainda faltava uma base legal expressa que conferisse segurança definitiva aos negócios eletrônicos. De forma recorrente é levantada uma questão a ser enfrentada pelos departamentos jurídicos e procurement: até que ponto propostas enviadas por meios eletrônicos têm validade jurídica plena?
O atual Código Civil não trata de forma específica da contratação por meios eletrônicos, limitando-se a disposições gerais sobre a formação de contratos e manifestação de vontade1. Assim, a validade das propostas eletrônicas é construída a partir dos princípios gerais do direito, tais como a autonomia da vontade, a boa-fé objetiva e a função social do contrato2. Com base nesses princípios, documentos eletrônicos passaram a ser admitidos como meio de prova. A jurisprudência dos Tribunais de Justiça de todo o Brasil3 e do STJ4, reiteradamente validam mensagens de WhatsApp, e-mails, dentre outros como meio de prova de negociação, desde que possível comprovar a autenticidade do conteúdo.
Todavia esse reconhecimento de validade jurídica depende do preenchimento de uma série de requisitos e depende da análise de cada caso concreto para consolidação como elemento hábil para produzir efeito jurídico e vincular efetivamente as partes.
Apesar desse reconhecimento, por interpretação principiológica, falta uma previsão expressa no Código Civil, com a apresentação de critérios claros e objetivos, ppara que se tenha a segurança jurídica nas práticas negociais cotidianas das empresas.
A proposta de reforma do Código Civil, materializada no Projeto de Lei 4/2025 busca preencher essa lacuna. O artigo 435-A é claro ao afirmar que as propostas contratuais e declarações de vontade realizadas por meios eletrônicos são plenamente válidas e eficazes, desde que assegurada a identificação do proponente e a integridade do conteúdo. Confira-se:
“A proposta pode ser oferecida para aceitação por aplicativos digitais interativos ou autoexecutáveis no ambiente da internet e sua existência, validade e eficácia dependem dos seguintes requisitos:
I – que seja completa e clara;
II – plena clareza das informações prestadas ao oblato quanto ao manejo da sequência de assentimentos da cadeia de blocos posta para a aceitação da proposta;
III – forma clara e de fácil acesso, para que seja procedida a verificação da interrupção do processo de aceitação da proposta;
IV – plena clareza acerca do mecanismo que autentica a veracidade dos dados externalizados como elementos integrantes da futura contratação;
V – plena clareza das condições de sua celebração e dos seus riscos, no momento da manifestação inicial do aderente.”
O artigo acima estabelece premissas objetivas importantes para a formalização de propostas contratuais em meio digital, tais como: a exigência da clareza e completude das informações apresentadas, transparência quanto ao fluxo de aceite e mecanismos de autenticação, a ciência plena do aderente das condições e riscos do contrato antes de manifestar seu consentimento, alinhando-se às diretrizes de segurança jurídica e proteção das partes nas contratações eletrônicas.
Em outras palavras, a proposta legislativa sugere que a legislação passe a reconhecer de forma explícita o que já é realidade no mundo empresarial, de que a comunicação eletrônica não é apenas um meio informal, mas sim uma ferramenta legítima de contratação. Ao mesmo tempo, garante regras objetivas a serem seguidas, dando mais clareza e segurança jurídica.
A partir da inclusão do artigo 435-A, as pessoas físicas e jurídicas passam a ter respaldo legal para estruturar fluxos de compras e contratações totalmente digitais, sem a necessidade de recorrer a documentos impressos em etapas intermediárias, desde que se adotem mecanismos capazes de garantir a identificação das partes e a integridade dos documentos.
Para os departamentos jurídicos, áreas de procurement e empresários, a mudança representa algo mais do que abertura à tecnologia: é uma reorganização da rotina com base na modernização. A proposta digital, até então sustentada por interpretação jurisprudencial, passa a ter alicerce legal. Isso dá mais segurança na formalização online de contratos, possibilita processos mais ágeis, reduz custos com papel e abre espaço para plataformas automáticas, CLMs e soluções que envolvam “cadeia de blocos” e confirmação de leitura.
Mas, claro, não se trata apenas de acelerar a cadeia de aprovações. A introdução do artigo 435-A também reforça o compliance digital: sistemas precisam registrar logs, garantir autenticação robusta (seja por certificados ICP-Brasil ou soluções avançadas), e oferecer transparência ao usuário final.
A estruturação também será facilitada com o advento do artigo 421-E, que aborda a complexidade das operações empresariais modernas ao determinar a interpretação conjunta dos contratos conexos. Contratos que são coligados, que possuem unidade de interesses ou que se destinam a regular uma mesma operação econômica deverão ser analisados de forma sistêmica, privilegiando a finalidade negocial comum a todos eles.
Aprovada o projeto de lei 4/2025, será fundamental que as empresas atualizem suas políticas internas, fluxos, modelos de documentação — com cláusulas expressas reconhecendo a validade de propostas eletrônicas conforme o artigo 435-A. E que os times envolvidos sejam treinados para lidar com as nuances de integridade, rastreabilidade e autenticação.
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Autor: Aluizio Baptista | Sócio e gerente da área de Direito Civil