No contexto de judicialização das relações de consumo, obrigações de fazer impostas judicialmente têm se tornado um vetor silencioso de risco financeiro e institucional para empresas B2C. O descumprimento – ainda que parcial ou temporário – pode ensejar a imposição de astreintes, multas diárias aplicadas pelo Judiciário com finalidade exclusivamente coercitiva. Sua função não é indenizar o consumidor, mas compelir o cumprimento da decisão judicial. O ponto crítico é que essas multas acumulam-se rapidamente e, quando não geridas com agilidade, podem gerar passivos não provisionados que impactam diretamente o fluxo de caixa, a previsibilidade financeira e a governança corporativa.
Essas multas não têm teto legal pré-fixado. O valor pode crescer exponencialmente até que a obrigação seja cumprida ou que se atue juridicamente para revisá-las. O STJ já reconheceu a possibilidade de revisão retroativa das astreintes, mas isso depende de provocação da parte interessada. Manter uma postura reativa – aguardando a execução para então negociar valores – é estratégia de alto risco, tanto jurídico quanto econômico. Além do custo financeiro direto, há impactos colaterais: deterioração da imagem institucional perante o Judiciário, redução da margem de negociação futura e, em alguns casos, reflexos criminais por desobediência (art. 330 do Código Penal), especialmente em setores regulados.
Diante de cenários em que o cumprimento da obrigação se torna inviável, o art. 499 do CPC permite a conversão em perdas e danos, mecanismo que deve ser manejado com técnica e timing adequados.
As empresas e seus departamentos jurídicos podem – e devem – adotar protocolos internos de gestão jurídica voltados a prevenir ou mitigar os riscos relacionados às astreintes. Algumas sugestões práticas incluem:
Monitoramento Proativo de Processos: Implantar um sistema de acompanhamento rigoroso de todos os processos judiciais em curso, com destaque para aqueles que contenham obrigações de fazer impostas judicialmente. Ferramentas de gestão processual e calendários de prazos devem sinalizar imediatamente quando há uma decisão com obrigação de fazer e multa diária, permitindo ação rápida.
Comunicação Interna Ágil: Estabelecer um protocolo de comunicação clara entre o departamento jurídico e as áreas operacionais da empresa. Assim que uma ordem judicial de obrigação de fazer for recebida, as áreas responsáveis (logística, TI, atendimento, etc.) devem ser informadas de imediato sobre o que precisam cumprir e em qual prazo. Reuniões de emergência ou comunicados internos podem ser necessários para alinhar todos os envolvidos na execução da obrigação.
Engajamento da Alta Gestão: Garantir que a alta administração esteja ciente dos potenciais impactos das astreintes. Decisões estratégicas (por exemplo, autorizar concessões excepcionais a um consumidor, acelerar projetos, realocar estoque) podem ser necessárias para cumprir ordens judiciais no prazo. Gestores seniores devem entender que alocar recursos para cumprir uma determinação pode evitar um prejuízo muito maior decorrente da multa diária.
Avaliação Jurídica Imediata da Viabilidade do Cumprimento: Ao receber a ordem, a equipe jurídica deve avaliar rapidamente se o cumprimento integral é viável nas condições estipuladas. Se houver qualquer impedimento ou dificuldade significativa, já devem ser preparadas as medidas cabíveis: apresentar recurso próprio, pedir prazo adicional ao juiz, negociar com a parte contrária uma forma alternativa de cumprimento, ou acionar a possibilidade de conversão em perdas e danos (conforme art. 499 do CPC) se aplicável. O importante é não ficar inerte diante de um obstáculo – em vez disso, buscar uma solução judicial ou consensual.
Registro e Evidências de Cumprimento: Sempre documentar as ações tomadas para cumprir a decisão. Protocolos internos podem exigir, por exemplo, que se guarde comprovantes de entrega de produtos, e-mails enviados ao cliente, registros de sistemas que evidenciem o cumprimento etc. Em caso de eventual disputa sobre o descumprimento, essas evidências serão vitais para demonstrar ao juiz que a empresa atuou diligentemente (podendo evitar ou limitar multas).
Capacitação e Cultura de Compliance Judicial: Incluir no programa de compliance da empresa (ou em treinamentos periódicos) módulos sobre cumprimento de ordens judiciais. Muitos funcionários e gestores estão acostumados a pensar em compliance apenas em termos regulatórios ou de leis materiais, mas é igualmente crucial cumprir tempestivamente as determinações do Poder Judiciário. Cultivar essa consciência na cultura corporativa garante que, desde o primeiro nível de resposta, todos entendam a seriedade de uma ordem "sob pena de multa".
Em resumo, antecipação e diligência são as chaves para lidar com astreintes. Empresas bem-preparadas conseguem evitar que um simples processo consumerista se transforme em uma sangria financeira ou em uma crise gerencial. A mensagem final para empresários, jurídicos internos e gestores é clara: ordens judiciais de obrigações de fazer não podem ser ignoradas nem procrastinadas. Com uma gestão jurídica preventiva e proativa, é possível controlar os riscos das multas cominatórias, evitando perdas inesperadas de caixa e resguardando a empresa (e seus gestores) de consequências mais graves. Trata-se, em última análise, de exercer uma postura de respeito às decisões judiciais e de profissionalismo na condução dos negócios – o que, além de prevenir prejuízos, reforça a credibilidade da empresa perante clientes, autoridades e o mercado.